Em 02 de
dezembro de 2007, a Venezuela contemporânea deu ao mundo mais uma lição de
democracia. Não de democracia capenga, como aquela esquisitice que
funciona nos EUA (onde o candidato menos votado se elege presidente e, sem
controle popular, se dana a massacrar, matar, prender, esfolar, calar,
torturar e invadir povos indefesos em nome da “Liberdade”) ou aquela a que
estamos habituados no Brasil (onde, uma vez eleitos, também sem qualquer
controle popular, os políticos se esquecem das promessas feitas nas
campanhas eleitorais) ou, ainda, aquela que vigorou na Venezuela nos
tempos do Copei e da AD, quando imperava a vassalagem externa e a
corrupção interna. A Venezuela contemporânea e o governo de Hugo Chávez
dão ao mundo uma lição de democracia verdadeira, na qual o povo é
protagonista de sua própria história. Com efeito, na democracia instituída
na Venezuela através da chamada Constituição Bolivariana, de 1999, há
efetiva participação popular através de conselhos locais e o povo conta,
inclusive, com a possibilidade convocar referendos revogatórios para
ceifar o mandato daqueles que perdem sua confiança – um instrumento que,
nunca é demais lembrar, foi indevidamente usado pelos inimigos do
presidente Hugo Chávez, que, não satisfeitos com o fracassado Golpe de
Estado tentado em 2002, recorreram ao referendo revogatório em 2004, em
nova tentativa mal sucedida para derrubá-lo.
Aos que o acusam de antidemocrático nunca é demais lembrar que Hugo Chávez
chegou à presidência da Venezuela em 1998 numa eleição em que obteve 56,2%
dos votos contra 39,9% dados a Henrique Salas; que, no ano seguinte,
instituiu a Constituição Bolivariana, que prevê os referendos
revogatórios; que, em 2000, ganhou outra eleição presidencial, derrotando
Francisco Arias (que só obteve 37,5% dos votos); que, em 2002, sobreviveu
a um golpe de Estado pela vontade dos venezuelanos que tomaram as ruas do
país, exigindo seu retorno ao poder; que, em 2004, derrotou o referendo
revogatório convocado pela oposição, obtendo 59,25% dos votos; que, em
2006, renovou, mais uma vez, o mandato presidencial derrotando, desta vez,
Manuel Rosales, que só obteve 36,85% dos votos; que, dos órgãos
eleitorais, seguramente o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) é
o que mais trabalha em todo o planeta e que os 16 milhões de eleitores
venezuelanos são os que mais chances têm de votar. Como, diante desta
realidade, acusar Hugo Chávez de antidemocrático? Na luta sub-reptícia
contra a moderna democracia venezuelana, os adversários e inimigos de Hugo
Chávez se aproveitam do pouco conhecimento que se tem da história daquele
país para lançar desinformações. Sobre este ponto, vale lembrar, por
exemplo, que, sem fazer referência ao papel exercido pela RCTV na
tentativa frustrada de golpe de Estado em 2002, os adversários da
democracia venezuelana evocam a não renovação da licença de funcionamento
da rede golpista e dizem que Hugo Chávez é contra a liberdade de
informação.
Na realidade,
como deu voz política aos milhões de pobres antes ignorados, nacionalizou
os setores de telecomunicações e de eletricidade, mantém rigoroso controle
de preços de produtos da cesta básica, como feijão, arroz e leite, e
aumentou o controle do governo sobre os setores de petróleo e gás,
investindo milhões de dólares provenientes da venda de petróleo em
projetos sociais, o governo de Hugo Chávez vem sendo solapado por setores
descontentes e manipuláveis, acusado de ‘antidemocrático’. De fato, no
embalo de uma competente e sórdida campanha publicitária estimulada pelas
mesmas forças que provocaram o ciclo de ferro dos anos 60-70, no qual
imperaram as ditaduras por toda a América Latina, o presidente Hugo Chávez
vem sendo referido como ditador e antidemocrático. É até engraçado ver
pessoas brilhantes e ‘bem informadas’, dizerem que Hugo Chávez é
‘ditador’. E mais engraçado ainda são as explicações que, contrariando
tudo que a ciência política já anotou até hoje sobre democracia, associam
as várias eleições realizadas (e vencidas) pelo atual presidente
venezuelano à ditadura. Parece coisa de doido. Surrealismo puro. A
histeria geral contra Hugo Chávez decore da manipulação do significado da
palavra ‘democracia’ – conceito que sempre foi entendido como “o governo
do povo, pelo povo e para o povo”, que significava (talvez romanticamente)
um ‘governo [escolhido] pelo povo’ (ou seja, escolhido por uma ampla base
popular e, não pelas elites), um ‘governo [oriundo] do povo’ (ou seja,
exercido por pessoas do povo e, não das elites) e um ‘governo [dirigido]
para o povo’ (ou seja, que governa para o povo e, não para as elites) –,
que, agora, em função dos novos tempos e velhos interesses, passou por
ajustes contraditórios que consideram o empoderamento popular não como
democracia, mas, sim, como ‘populismo’.
Na campanha
contra o presidente Hugo Chávez, os inimigos da democracia venezuelana
parecem querer definir Democracia por uma fórmula geral que combina a
conceituação proposta por Schumpeter (que se baseia apenas no modo como se
dá a escolha do governo, consagrando a vertente do ‘governo [escolhido]
pelo povo’ e desconsiderando totalmente as expressões que se referem ao
‘governo [oriundo] do povo’ e ‘governo [dirigido] para o povo’) com
subserviência aos EUA – país que, embora viole sistematicamente todos os
princípios democráticos, usam o poder irresistível das armas (inclusive as
de destruição em massa) e o controle da mídia para se impor como padrão e
guardião mundial da ‘democracia’, usando o conceito como uma doutrina de
dominação, que, em função das conveniências momentâneas, acrescenta ou
retira nuances do conceito de modo a classificar como ‘antidemocráticos’
governos e personalidades que lhes são antipáticos (como Hugo Chávez, da
Venezuela e Evo Morales, da Bolívia) e, inversamente, classificar como
‘democráticos’ governos e personalidades que lhes são simpáticos (como
Álvaro Uribe, da Colômbia). Apenas para registro, a informação de que, no
pleito mais recente da Venezuela – um referendo que só mobilizou 55,1% do
eleitorado –, contra a vontade de 49,29% dos votantes, o povo venezuelano
recusou a proposta de manter a decisão da Assembléia Nacional da Venezuela
de alterar 69 dos 350 artigos da Constituição Bolívariana – incluindo a
possibilidade de reeleição indefinida do presidente, que passaria a ter
mandato de sete anos e poderia administrar as reservas internacionais do
país, a criação de regiões administrativas, o reconhecimento simultâneo de
propriedades comunitárias e privadas, o fim da autonomia do Banco Central
da Venezuela e a redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas
semanais. Imediatamente, como devem fazer os líderes democratas, em
discurso no Palácio de Miraflores, o presidente Hugo Chávez, cujo mandato
vai até janeiro de 2013, parabenizou os adversários e a vida na Venezuela
segue em frente.
É hora dos
verdadeiros democratas entenderem que a Democracia é feita por todos os
democratas e, não só por aqueles que os EUA gostam ou querem.
Texto publicado no Blog do Magno.
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